
2019
No meio do Centro de Fortaleza, uma casa colorida chama a atenção de quem passa na rua. O contraste entre as cores vibrantes da porta e janela é um convite aos olhos dos mais curiosos. É ateliê e lar. Quem mora e trabalha ali é a artesã cearense Olga Moara, a mente e as mãos por trás da produção artesanal e vegana da marca de sapatos Borandá.



Quando falamos de sapato, automaticamente relacionamos a peça do vestuário com a Moda, mas a história de Olga Moara nada tem a ver com a indústria fashion. Suas mãos são marcadas pelo gosto de fazer e usar as suas próprias coisas, da luminária do quarto ao vestido que usa, e reluta em dizer que o que faz é Moda. ‘’Nunca estudei a indústria e realmente só sei da moda o que eu quero ter no meu corpo. Acredito numa moda em que a gente consiga fazer parte da criação dela, que a moda se encaixe a mim, não que eu me encaixe à moda’’.
Nadando contra a corrente da “ditadura fashion”, a artesã escolheu a perspectiva do que é feita de forma local, mirando um olhar para além das tendências. Oceanógrafa por formação, ela se tornou artesã por acaso, quando ainda estava na faculdade, em meados de 2014. A princípio, a prática artesanal surgiu apenas como uma forma de ganhar um dinheiro extra. Na época, todo o trabalho foi dividido com uma amiga, que também virou sócia. Depois houve uma pausa no trabalho durante o período em que as duas amigas embarcaram num intercâmbio acadêmico. Quando Olga retornou de viagem, assumiu a Borandá de forma independente e assim segue até hoje.
Por enxergar a marca como pequena e não modal, as peças são feitas em pequena escala. Rola uma exclusividade, cada sapato é único na Borandá. Nesse caminho, Olga se encontrou na produção artesanal vegana e por encomenda. ‘’É artesanal porque eu acredito muito em coisas produzidas fora da indústria; vegana por não utilizar nada de origem animal nas composições dos sapatos, e por encomenda pois é uma forma de não produzir coisas que não sei aonde elas vão parar. Eu só produzo o que vai ser usado’’.

“Tatear, ver e calçar”. Essas são as três palavras norteadoras do caminho que a Borandá resolveu trilhar no processo de produção dos seus sapatos. Os verbos também dão o tom da transparência entre o consumidor e a marca, símbolo da moda compartilhada que Olga escolheu abraçar. “Quero que as pessoas acompanhem e compreendam as etapas de produção. Eu sou uma sapateira que incita as pessoas a andarem descalças, porque nós precisamos sentir para poder ter alguma sensibilidade. Tudo o que permeia a Borandá é muito sobre isso: olhar ao nosso redor e prestar atenção de onde vêm as coisas. É também sobre perceber o meu trabalho, a forma que ele é feito, porque demora e como esse deveria ser o natural das coisas.”


A Borandá está sempre de ateliê aberto para criar junto com o cliente o sapato artesanal ideal, num trabalho em conjunto. De morada compartilhada, o lar de Olga é também, o espaço onde a produção dos sapatos acontece. Além de oficina e casa, também funciona como escola: ali acontecem oficinas de sapataria artesanal ministradas pela própria artesã. ‘’Eu queria ensinar as pessoas a fazer, ao invés de só fazer. A pessoa vê, se interessa, marca comigo e aí fechamos a agenda. É tipo ‘Bora? Bora!'”
Entre 12 a 14 pares, é o número máximo que Olga produz por mês na Borandá. Carregando o propósito do ‘’bicho que não pisa em bicho’’, a matéria-prima dos seus calçados é composta, basicamente, por materiais reutilizados. Com um pouco de cola e costura, coisas velhas como restos de tecidos e pneus reciclados ganham nova cara e forma. “Eu colo esses tecidos pra eles ficarem um pouco mais grossinhos, com cara de sapato, e nos solados utilizo borrachas, pneus, neo light ou Havaianas recicladas.”




O veganismo vai além dos sapatos na vida de Olga, mas ela não se identifica totalmente com o radical da ideia, por isso se declara apenas como uma pessoa livre. “Minhas escolhas do dia a dia, indiretamente, são veganas, então qualquer coisa que eu fosse fazer na vida iria ter esse viés de mínimos impactos ambientais possíveis”.
Passeando pelos rótulos, a artesã prefere não enquadrar a Borandá na linha sustentável por não acreditar em uma sustentabilidade autêntica quando relacionada com os processos de compra e venda. No balaio das práticas sustentáveis, o maior entrave da Borandá se dá por a marca ser pequena e local. Olga não consegue obter sua matéria-prima com a máxima garantia de origem limpa e verde. “Eu acabo ficando refém do que existe pra vender aqui no Centro da cidade e, geralmente, o que tem aqui eu não sei, de fato, quais são as fontes.”


Se empreender já é atividade complexa, imagina quando se é mulher e está inserida no universo sapateiro? Predominantemente masculinos, os espaços de compra e venda de material para a produção de sapatos já foram locais de acesso social desafiador para Olga. “Ainda é uma coisa muito de ‘homem do interior’, então eu tinha que chegar nas lojas e ouvir os caras querendo ensinar como fazer o meu trabalho, explicar qual era o nome da ferramenta e colocar preço mais caro em produtos que eu já conhecia a média de valores”. Desde o início da sua caminhada independente ao lado da Borandá, lá em 2017, a artesã vem construindo a sua autoconfiança como sapateira profissional, dia após dia.
Existe uma mística criada em torno do produto artesanal que o coloca como artigo luxuoso e inacessível para a maioria das pessoas. Parte disso é verdade. O preço da produção artesanal é, de fato, ”mais caro”. O que Olga Moara quer questionar é quais os reais motivos dessa supervalorização – que acaba provocando, no caso, a desvalorização da produção artesanal. ‘’Eu não consigo competir com uma fábrica de sapatos que produz três sapatos por minuto. Isso daqui é um preço muito justo. Nosso produto não é caro; na verdade, as lojas que produzem em massa é que são baratas demais. São elas que tem algum momento da cadeia produtiva que não está sendo bem pago, tá faltando respeito com o que vem da natureza’’, finaliza a artesã cearense.

SERVIÇO
Borandá Sapatos
Site: boranda.me
Instagram: @borandares
E-mail: borandasapatos@gmail.com